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Drágeas

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(...)Tem sido essa a nossa história brasileira. Quando começamos a discutir um projeto original de país, quando os indígenas e os negros e as mulheres começam a ocupar novos espaços de poder, o processo é interrompido. Quando começamos a ter paz, a guerra recomeça. Porque, de fato, a guerra contra os mais frágeis nunca parou. Arrefeceu, algumas vezes, mas nunca parou. Desta vez, a perversão é que, até agora, o projeto autoritário vem se estabelecendo com a roupagem da democracia.

 

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Eliane Brun, “Como resistir em tempos brutos”. El País, 08out2018.

(Acesso em agosto/2020 - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/08/opinion/1539019640_653931.html)

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Não existem soluções mágicas, porque diante de grandes questões, as respostas não podem ser truques de cartola. Mas, podem começar de elementos simples. Existem tecnologias que podem nos ajudar a enfrentar a crise mundial, as palavras do xamã e filósofo yanomami Davi Kopenawa são bem interessantes. Kopenawa critica a visão de mundo de gente branca. De acordo com o pensador yanomami, os brancos estão fazendo o céu desabar – uma expressão que significa colocar toda a vida do planeta em risco. [...] É hora de uma convocação simples, um pacto pela vida. Se a escritora Conceição Evaristo já disse que vamos nos recusar a morrer, mesmo que eles tenham feito um acordo de nos matar – em referência à face letal do racismo, logo, a bandeira contra o racismo é um convênio para celebrar a vida. [...]A colonização criminalizou as artes da malandragem e da preguiça. Nós precisamos reabilitar essas tecnologias divinas, elas receberam nomes estrangeiros que tentaram inverter seus sentidos. Em geral, as pessoas criadas com comida industrializada não sabem quase nada a respeito delas. A malandragem é a arte negra de crescer sem perder a infância, uma pessoa malandra é alguém que brinca depois de crescida. Quem não sabe brincar precisa colonizar a vida. A preguiça é uma tecnologia dos povos originários, uma pessoa preguiçosa é alguém que sabe a extensão da sua força e o tamanho da sua passada, trabalhando justamente o necessário para que o encanto da vida não se perca. Quem não vivencia o encanto da vida precisa colonizá-la.

 

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Renato Noguera, “Afro-anarquismo, malandragem e preguiça”. Textos, n-1, jul2020.

(Acesso em agosto/2020 - https://www.n-1edicoes.org/textos/10)

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A gente precisa criar oportunidades de fruição. Fiquei tão feliz com a promessa de que esse momento em que nos juntamos aqui antecede um outro momento de estarmos juntos em outra ocasião, a promessa de que essa conversa prossiga no ano que vem com a possibilidade de continuar a compartilhar ideias, visões. O próprio enunciado de alguma coisa que virá depois anima nosso sentido de viver. Alinha-se com a ideia extravagante de adiar o fim do mundo. Nós adiamos o fim de cada mundo, a cada dia, exatamente criando um desejo de verdade de nos encontrarmos amanhã, no final do dia, no ano que vem. Por isto, a conversa sobre esses mundos encapsulados uns nos outros, que nos desafiam a pensar um possível encontro de nossas existências – é um desafio maravilhoso. [...] Uma questão que sempre me moveu, mexeu comigo, que é a pergunta se nós conseguimos mesmo nos encontrar, se conseguimos realizar a experiência do encontro. E não estamos falando só do encontro interpessoal, estamos falando do encontro entre povos e culturas, entre tradições diversas. No meu pensamento isso é provocado por afetar uma ideia de sujeito que quer viver a experiência de sujeito coletivo. Eu não me vejo andando sozinho no mundo. Eu sempre convoco alguma humanidade para andar junto comigo.

 

 

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Ailton Krenak, “Mesa 1: Do Tempo”. SESC, 7ª Mostra Internacional de Teatro – Perspectivas Anticoloniais, 06/03/2020.

(Acesso em agosto/2020 - https://www.youtube.com/watch?v=2tjX2VodDYs / min36:25)